domingo, 26 de dezembro de 2010

Duas canções

Pra te acordar

Não é só abrir os olhos
Hei de levantar, descortinar janelas e o coração
O mundo endoidece lá fora
Mas aqui dentro não
Simplesmente ignora essas manhãs
Com os olhos bem fechados
Como se o mundo quisesse esperar
Que os seus sonhos fiquem bons
Existe um alguém pra te guardar
Depois que ligam o sol

Enquanto você me espera
Tropeço nas luzes da cidade
Enquanto você me espera
Eu leio tua estória num gibi
Enquanto você me espera
Eu conto moedas pra te comprar um planeta
E rezo pra você
Esperar por mim.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Uns discos

No final das contas e do ano, de todo o amontoado de coisas pra dentro e pra fora da cabeça-coração-entranhas, eis o que entrou pelo ouvido

Jorge Ben - África Brasil



"Eu quero ver o que vai acontecer quando Zumbi chegar. Zumbi é o senhor das guerras, é o senhor das demandas. Quando Zumbi chega é Zumbi é quem manda."




quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Incoming!

Então, algumas mudanças por aqui, resolvi aderir ao gênero. From now on, virá de tudo por aqui.

E primeiro eu queria deixar um pedido a quem vier a tropeçar pelos arredores. Indiquem gentes! Por alguma razão, minha literatura morre em nomes da metade do século passado e eu me envergonho de só conhecer best sellers atuais e de estar no limiar de dizer que não aguento mais o mesmo livro do Caio Fernando de sempre, que, diga-se de passagem, é ilegalmente apropriado.

Por enquanto é só e uma oportunidade de dançar escondido quietinho nessa madrugada:

sábado, 11 de dezembro de 2010

Idioteca

Parando assim para olhar pra cima eu percebo - já não fazia isso tinha um certo tempo. O céu ainda tem a marca dos fogos de dia desses, as manchas coloridas na tela preta, as naves alienígenasfazendo treinamentos acrobáticos e eu me pergunto se isso deixa os americanos em alerta. Mas só acho mesmo que eles só estão se preparando para o dia da independência de alguma coisa lá do planeta deles. O meu melhor amigo, um modelo X-114, bebeu demais, não acho que ele vá acordar ainda hoje. Ele odeia que eu chegue perto da janela, o psiquiatra já me explicou que faz parte da paranóia cibernética dos últimos anos. Esses modelos têm trabalhado demais, é fato. Dia raro esse, de sentar, beber e jogarwar. Eu não tenho mais ninguém. Oficialmente, na verdade, eu não tenho ninguém.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Bicicletas

Pra que isso de morrer de amor?

Já se morre por tanta coisa, tão menor, nada vale tanto quanto o sacrifício de viver. Fique em casa, estude o sexo, o que der. Os nossos deuses já não podem exigir tanto assim. Por tanto mais (e sempre menos) estivemos a beira de pular num precipício. Hoje, eu nem pulo mais, eu deslizo.

Pra que isso, amor, de ser assim?

Tudo que nós fazemos são plásticas declarações, reações químicas, bolhas individuais, tão cristais, nossa higienização. Eu só queria dominar o mundo pra minha mãe se orgulhar de mim, mas nos meus máximos só um carro, uma bicicleta, uma ereção.

Pra que isso, então, de ser distante?

Eu não te toco pra não te contaminar com meu cheiro de flores de dióxido, eu não cresci aqui, mas se um robô entende mais da terra, ele que faça o trabalho. Você não entende, você só escuta e se explica, me dá um sentido pra eu ter uma razão de ser, ninguém está aqui, são só sentidos, nada está aqui, são só palavras, são só ninguéns e mais ninguéns tentando manter a distância necessária pra te ver de fora, te entender, dar uma forma, uma substância, que na proximidade, na sinceridade, ninguém tem.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Um jazz

Eu escrevo sem o substrato de um tema
sem o trato poético
eu te utilizo
e se só a dor faz um poema
eu sigo assim
os dias passam
essas horas doem
por ti
eu mato, castro essa dor
como viva
até morrer
pelos caminhos
(coletivos)
espero morrer de calor
nessa cidade
o vento bate, magoa
a ferida tão concreta
quanto a realidade
sem sentido
algum
sem o mínimo
sem motivo
cento e uma razões pra eu te comprar
tua embalagem vale mais
em qualquer dito
qualquer momento
qualquer tristeza
esse lamento.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

R.I.P list

É aos trancos e barrancos que me deixo dizer qualquer coisa agora. Mas há uma lista de descanses-em-paz em enjoy the silence que me faz lembrar que para algumas pessoas, pessoas simplesmente morrem. Me faz pensar em todas essas almas mortas que, assim como o livro, rodeiam nossos quartos e nossos corpos, incompletas. Isso é tudo o que consigo no auge da minha fé maltratada, pra afastar a igualmente real possibilidade de todas aquelas pessoas estarem distribuídas em embalagens anti-impacto e plástico multi-uso. Porque tudo o que se desfaz aqui nesse mundo, vira polietileno.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Apenas corpos

Eu ainda estava amarrada na cama quando ele entrou, de certa forma foi constrangedor, uma falta de profissionalismo, não se pode cometer esse tipo de erro nesse ramo, quando se vende sonhos, eles não podem vir com as sobras que o outro cliente deixou no prato. Ele não queria comprar um sonho, queria o contrário, se é que isso existe. Mandou que eu vestisse a roupa, depois que a tirasse, tentei ser criativa, ele mandou que eu parasse. Apenas tirei a roupa e a coloquei. Três vezes, e na terceira já me perguntava porque ele não podia apenas foder e ir embora como todos os outros, não estava no clima para fetichistas naquela noite, mas era o trabalho então tentei encarnar o personagem. Não havia personagem, ele queria apenas que eu vestisse a roupa com a qual havia chegado e com a qual iria embora de manhã, depois a tirasse como se tivesse chegado em casa. Feito isso várias vezes, finalmente ele me comeu. Fiquei pensando como é bom não ser gueixa, prefiro ser puta mesmo.

Parágrafo desnecessário.

Devia saber que não estava pondo nada pra fora. Depois de levar umas três vidas, assim como quem leva o cachorro chato do vizinho pra passear, quando todas elas parecem uma peça tão perdida e sem graça que os mesmos atores tem agora papéis que se perguntam se realmente estiveram em outras cenas. Aquilo sim eu estava pondo pra fora. Você não. Nas últimas três manhãs acordei tentando te tirar da parte de trás da minha cabeça, que é onde você deu de morar agora. Essa presença de corpo ausente de você estraga tudo. Sinceramente eu tenho tentado rasgar meu inconsciente, te pegar pelo braço, te jogar na calçada e chutar teu estômago, te violentar e ir embora, mandar você nunca mais voltar. Fico me perguntando qual a necessidade disso tudo, se não deixei com você nenhum livro emprestado e os cds que eu te dei, nem faço mais questão de que voltem. Você devia ser agora só mais um personagem estranho, outro período, outro parágrafo já lido, já sentido. Você não faz sentido e minha cabeça um dia vai começar a sangrar enquanto meus olhos poderiam apenas um dia ter chorado, como nunca se fez, nem pelo fim que não houve nem pelo começo que eu não entendo. Há apenas um durante que teria durado, se você não fosse covarde, se eu tivesse mais maneirismos. Agora não temos mais nem tempo. Você merece um ponto final.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Todo dia.

Eu quero te comer mas não posso, eu mordo os teus pedaços em mim, porque te tenho tanto, toda hora todo momento sempre em todo clichê de amor eu tenho você. Eu nunca quero ir, na verdade eu sempre quero ir aí, quero te comer, quero te ter, quero ver você dentro de mim quando eu fechar os olhos, você já está lá. Aqui dentro é tão distante da minha mão. Ouço muitos discos diferentes ultimamente pra marcar que eles são teus, só teus, sem misturas e sem épocas, quando eu ouvir o Qualquer Coisa de novo eu nunca quero lembrar que passo as manhãs pulando de ônibus em ônibus, preenchendo formulários, aprendendo a querer aprender coisas que eu nunca nem achei que poderiam querer ser aprendidas por alguém, eu não quero lembrar que conheço a cada seis meses trios e duplas e legiões de pessoas com todo o potencial de serem bem mais interessantes que você e que eu, eu não quero lembrar que elas me julgam e eu nem sei porque me preocupo com isso, e se devo me preocupar. Eu só quero lembrar que estou com você todo dia o tempo todo a todo momento em todo clichê de amor eu tenho você. Eu quero te comer, quero te ver e te contar do meu dia, quero te ouvir e discordar e que isso não faça a mínima diferença, quero fazer amor e sexo, quero te matar pra te chorar depois, sentir a temperatura morena do teu sangue, eu quero morrer e em três dias voltar pra te dizer quer você pode, quero te dizer isso tudo mas não posso. Eu quero tudo e muito mais, mas não posso, quero essas palavras e outras, quero esses prazeres e todos, quero inclusive esses horrores e mais. E todo dia eu te digo tudo isso quando eu aperto tua perna, grito cada palavra disso subindo entre as multidões de carros da avenida treze de maio às sete horas quando deitado ao teu lado eu sorrio "eu te amo"

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

E a vida foi-se embora.

muito bem, somos gatos, somos, na verdade mais verdadeira, aquela que nem todo mundo consegue repetir, o que quisermos ser, gatos.

onde é que vai parar essa vida, meu deus? Com esses óculos escuros de madrugada. será que é vista cansada ou será que chorou de amor por sua vaquinha que voou e dessa vez não volta mais?

meia volta, volta e meia. tudo volta atrás. A vida passa e ultrapassa com o coração na mão, na garganta uma canção e um pedido e esmola. eu vou indo-me embora. muito embora ainda queira ficar, queira pedir, queira me acabar. queira.

a você que não entende absolutamente nada.
compartilhe do meu mal até o outro dia.
mas se entendeu.
não discuto mais.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Daniel

Após esse post fecharei para balanço ouvindo Jorge, para almoço e para o lanche e para revisão de conceitos. Afagos e carinhos e nos vemos numa outra vida quando formos todos gatos.


Acabara de limpar o banheiro e sentava-se no vaso para usá-lo porque era o seu momento de refletir. O silencio ecoava no azulejo e ele imaginava que a sua cara deveria ser das mais patéticas, agora. Esboçou um sorriso. A primeira barata apareceu cínica, parecia que nem era uma barata, que o banheiro nem estava limpo. Veio num passinho rápido. De barata. E parou. "Era o mal comum, do tipo que sempre vai estar por lá. Não importa o quão limpa esteja sua vida, você vai ver baratas." Ela ficou o encarando, e ele ela. Tinha o costume desde criança de se perguntar se certas coisas aconteciam a todos e se todos se perguntavam as mesmas perguntas que ele. Uma vez se perguntou, inclusive, se todas as pessoas se preocupavam em dormir com a cabeça virada para o lado do céu onde ficava o paraíso. Já que, até então, acreditava que tanto deus quanto o diabo moravam no céu, um de um lado, outro do outro, dando-lhe a terrível tarefa de decidir a respeito do lado de cada um.
Já sabia agora que o diabo morava na terra, mais precisamente no apartamento debaixo. E tinha uma barata ao seu lado. Perguntava-se se todas as pessoas iriam apenas encarar, passiva e contemplativamente o pequeno inseto, como ele fazia agora.
A segunda barata chegara num passo mais apressado que a primeira, na parede a sua frente pouco acima da sua cabeça e disse à primeira. "Então, tu já estás aqui." e ela respondeu."absurdo é o teu espanto, dizes que cheguei precipitada quando tu chegaste como chega toda a experiência, tardiamente" e a segunda, então, falou."Nunca cessas de desperdiçar tuas palavras em momentos de banalidade, tua língua destravada já ecoa em outras línguas mais espertas, que tomam a autoria de tuas idéias." com surpresa a primeira barata pergunta."Que boca responde minhas palavras com minhas próprias idéias?" A segunda levanta a pata. "Mário Quintana" a primeira, indignada "crápula" as duas, então, "crápula!"
Não podia negar a surpresa, mas nunca fora de intrometer-se na conversa dos outros e tinha um gênio fraco. Esperou.
A terceira barata veio de surpresa, em meio a exaltação da discussão das outras duas, interrompendo tudo "Basta! Quando irão teus espíritos atingir a mesma exaustão que o meu frente às tuas atitudes?" As duas baratas viraram-se para a terceira e só se pode imaginar suas feições -Seria absurdo atribuí-las esse tipo aspecto- e disseram em coro "Porque não pões tua língua e o resto de teu imundo ser no lugar ao qual a mais tardia de nós pertence?" a terceira, atrevida. "Não me vejo assentada em cima de nenhuma outra que tenha vindo mais cedo". Em seqüência, a primeira, "Cale-se", a segunda "Cale-se", as três "Cale-se". Calaram-se. A essa altura, já tinha tentado todos os métodos conhecidos pra se sair de um sonho, sem sucesso algum, preocupava-lhe a idéia de ter dormido ali, sentado no vaso, iria acordar-se dolorido.
As baratas fizeram uma breve pausa e se entre olharam, ou ao menos pareceram fazê-lo, depois viraram-se para ele, para si novamente e começaram a correr em círculos, cada vez mais rápidas e mais rápidas e mais rápidas até que finalmente a luz do banheiro apagou-se, nada se via além do brilho azul fantasmagórico vindo das próprias baratas, que agora flutuavam no ar. "Você!" apontou uma delas, e outra completou "aqui nessa terra tens um destino, jovem rapaz". Por algum motivo, agora decidira que nada daquilo era um sonho. Outra barata continuou "Ouve nossas palavras com atenção, pois nosso encontro será breve e fugaz". Ele apenas arregalava os olhos. Uma delas apontou "Você!" e outra "Você está aqui nesse mundo com um propósito" e lá ficaram flutuando, por vezes chacoalhando, meio que involuntariamente, uma ou outra pata. Como que para fazer alguma coisa acontecer, ele gaguejou "Eu vou fazer alguma coisa impor.." e elas o interromperam bruscamente, apontando e gritando "Não!" e continuaram a flutuar caladas frente a ele. Tinha feito algo de errado, então decidiu tentar novamente "Irá minha existência representar algo de grandio..." "Não!" elas interromperam novamente. Ele ficou em silêncio e entortou a boca. "Irei matar algu... "Não!" "Então o quê?" "Você" uma delas começou, apontando, outra completou "Você irá viver uma vida..." e outra "...absolutamente dentro do comum" silêncio. Preocupado, ele tentou perguntar "Mas eu irei ter..." "Não!" "...Serei ri..." "Não!" "...Uma boa fami..." "Razoável" "Muitas dívi..." "Às vezes!" "Morrerei logo?" Elas se entre olharam e uma respondeu "68 anos contando de hoje" outra ainda continuou "e cinco meses" "é, e cinco meses" e ficaram lá flutuando. "Mais alguma dúvida?" perguntou uma delas finalmente. "Er...acho que não".
As baratas começaram a flutuar em círculos, cada vez mais rápido e mais rápido até que sumiram. Ele levantou e foi para a cama, afirmando para si apenas que estava com sono.

Daniel acordou mais cedo hoje, assim sem motivo. Em pleno domingo. Andou pela rua levando nas costas, dentro da mochila, a sensação de que o apocalipse havia tomado palco enquanto dormia. O que não pareceu nada necessariamente ruim, o sol era claro, mas ameno, as pessoas eram poucas e sonolentas, mas simpáticas. Decidiu que queria comprar pão e pediu dez, descobriu que a cafeteira hospeda baratas, mas não alarmou nenhum dos intelectuais. "descoberta a origem das estátuas de páscoa", "10 maneiras de qualquer coisa", a primeira página e as notícias de futebol. Era domingo, mas só porque o jornal parecia mais espesso. Não tinha nada a ver com a falta de compromisso nem com o simpático clima de apocalipse then. Na vontade de não voltar para casa acabou por voltar e ligar a TV. Era domingo, de fato. Passarão tempo e espaço. Segunda feira. mais tempo, mais espaço. Problemas, pessoas, um sonho aqui, outro ali, outro domingo. Mais alguns continuuns e dormidas e daqui a 68 anos e cinco meses Daniel morrerá, não faz diferença o porquê. Renderá algumas conversas, talvez até uns constragimentos. Agradece-se por não haver uma camisa com foto nem coisa do tipo. Ele tem uma conta bancária que será difícil de encerrar, mas não deixará dívidas. De promessas não cumpridas ficarão duas: uma bicicleta nova e um jantar à luz velas, a última bem antiga. E todo mundo dirá que o Daninho é a cara do pai.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Amostras grátis

Eu rezo pro satélite me deixar em casa e o rádio toca ave maria só pra me interferir. Eu olho a tua fotografia pra te deixar dormir, porque eu acho uma violência eu te chamar aqui.
Pra me acalmar, escrevo uma canção, porque mandar mais um currículo não leva a nada, nem nunca levou. Talvez eu deva só me masturbar por aqui.
E essa mancha no pulmão que é na verdade um grafite surreal, uma manifestação artística de fim de tarde, é fruto de uma terapia pra me fazer resistir

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Ida e volta

Esconde os teus estigmas e tropeça por aí, sob o sol, sobre essas margens, por entre esses portões, calçadas, coletivos, aviões e vultos da gente. Dizem que deixar pra lá é um sonho que ninguém se atreve, é como se apegar a vida por medo de viver.
E se ele se largar, desistir e dormir e sonhar brincando, cantando, nascendo,
tocando corpos e sexos,
traindo, amando, vivendo, correndo, caindo, vendo tudo acima e morrendo?

Admirado seja aquele que partiu de volta pra casa e nos faz acreditar que ainda existe aqui depois que se acabar.

domingo, 8 de agosto de 2010

Sem senso.

Que egoísta da sua parte. Outros e outras podem e vão passar, eventualmente algum ou outro irá ficar, mas eu digo até meio que sem querer dizer que seu lugar está guardado. Ainda que eu vá te encher de vizinhos, é o que eu vou fazer, gentes tão barulhentas e espaçosas que vão te fazer querer sair daqui, eu não vou mais te proteger se é o que está pensando. Sabe aquele teu jeito de ficar só, de me fazer ir te salvar de ser o ser mais estranho do universo? Pois então, o herói morreu queimado pra salvar a empregada.

Quanto egoísmo de você. O universo não conspira tanto assim se é o que quer saber, o big bang não gira em torno dos seus sentidos e dos seus rótulos e dos seus horários de dormir e acordar, nem os frascos aceitam mais ser etiquetados e até algumas pessoas estão querendo aderir ao movimento.

Quão egoísta você pode ser? Em achar que realmente pode segurar as rédeas da sua própria vida, quando até seus cavalos sabem que é muita pretensão de sua parte esperar que o seu coração monte abrigo nos mesmos gramados que a sua consciência decidir pisar, que as figurinhas do seu album vão sempre ter as mesmas descrições, que o céu vai ser sempre azul apenas porque por acaso ele tem sido assim esse tempo todo.




terça-feira, 3 de agosto de 2010

Coágulo

trilha-se esse caminho pulando veias e feridas abertas. não temos nem ao menos a descência de sangrar, derramar, descascar. Ouve-se muita voz. houve-se voz demais e todas são uma só, que não pede
implora
e não manda
ordena
e avisa
não aconselha.
enquanto as bocas se abrem aos ouvidos e o mundo se fende aos nossos pés, nós esperamos que o céu se abra sobre nossas cabeças num circo pirotécnico, que caiam sentenças sobre todo mal: nosso toque sinestésico, o disfarce do desejo, meu cianeto, tua escravidão, tua-foda-tua-merda-todo-fluido, tua culpa. sem porquê, se não descasco, não sangro, não derramo, outro alguém vai morrer com essas feridas abertas, outra voz sem culpa, sem desejo, sem descência.

Terça-feira

essa manhã...
nessa manhã como em
todas as outras eu
me esqueço o que eu achei

no mais
transtorno absoluto
em renegar
antes de levantar
todas as possibilidades
entre eu
entre o mundo.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Da vida das coisas

O fio se estende no ar sem um ponto de chegada. Ou de partida, não se sabe ao certo. Como as escadas que levam ao nada nos cantinhos das praças recém construídas.
E durante aquele instante o fio saía de um poste sem chegar a outro, sem chegar ao chão nem a nada que o mantivesse ali, suspenso feito braço e mão e dedo de moça, apontando o vazio azul do céu de meio dia. Por um instante, um breve instante. E manteve a pose, como criança que espera a reação à arte, como penteado novo, num orgulho que apenas espera, sem pedir, o elogio.

Por um instante, um breve instante.

E veio o menino e catou a bola fujona.
E passou o moço com a gravidade nos olhos e o olhar no chão. As pessoas cruzam com o amor, mas nem sempre o cumprimentam.
E passaram os pássaros num bater cansado de asas.
E passou a brisa atrasada.
Passou o silêncio.
- Desista. Gritou a folha seca e amarela do chão. – Eu voei daquela árvore e ninguém notou.
- Desista. Suspirou a pedra. – Do tempo eu tanto sei e ninguém, nunca, perguntou.

- Desista. Sussurrou o céu.

E o fio deitou no chão como o sorriso desacompanhado que se fecha.

E o instante, num breve instante, se perdeu

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Pontes quebradas

Lá depois daquele sino tem um jardim de flores amarelas, amor. E quando ele toca lento, elas balançam, como se fechassem os olhos, as pétalas e simplesmente fossem sino e vento. Lá, nesse jardim, se a gente subir pelos caminhos, bem ao centro tem uma árvore, folhas vermelhas de pôr do sol pra sempre. Elas nunca caem, as flores nunca murcham, nunca nem anoitece, lá. É tudo tão bonito, amor. Sabe que combina com aquele teu vestido, o jardim? É, aquele amarelo que eu gosto em dia de sol. Quando bate o vento. Nem sei se já te falei. Do vestido, ou da verdade sobre os teus olhos, do toque das tuas pernas. Ele combina, amor. O vestido. Vocês combinam: meu amor, o vestido, o jardim. Eu te imagino tanto lá. Te ponho no mesmo cenário e nem preciso misturar cores, tons,trocar pincéis. Você está lá, sob a árvore, por entre as flores, em par com o vento. Te ponho numa moldura, mas parece que teu vestido e teus cabelos nunca param de falar com a brisa. É tudo tão lindo, amor. E sempre que o sino toca, você está lá. Tudo tão constante, condizente com teus tons de crepúsculo.

Mas esse som me deixa olhos pesados sempre que te leva embora, porque lá tudo te faz sentido, como o mosaico do teu retrato.

Eu tentei entrelaçar o preto dos teus cabelos com o escuro do meu céu. Ele insiste em amanhecer claro. E minhas estrelas e tulipas não reparam no teu vestido. Nem meu sol pálido te reflete. Eu tentei. Mas os retalhos do pierrot não são coloridos nem se podem colorir. Meu retrato é tão sem foco, sem forma. Minhas peças simplesmente não se encaixam. Mas o que me entristece é o meu jardim, as tulipas brancas, o luar, nada combina com teu vestido amarelo, com as tuas flores.

Lá depois daquele sino tem um jardim. Não te levo lá, não.Que tenho minhas vaidades, minhas promessas. Mas sempre espero, amor, com tristeza, o pôr do sol te levar.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

"Não sou eu, eu estou fingindo"

Me é estranha essa sensação de valha-me deus pela manhã, essa impressão de tá tudo errado, vontade de puta que pariu. Um permanente frio na espinha, nos olhares e nos falares, talvez até nos sentires. Não sei. Não sei porque não olho e se não olho não vejo, não paro. Tenho as próximas dez, oito horas até voltar pra cama. Chove lá fora, aqui dentro eu tento aquecer minhas costas por causa do frio, da febre, do medo. Já nem sei mais quantas vezes me joguei na cama, caminhei à sala, abri a geladeira ou desliguei a TV. Já fui ao telefone algumas vezes, sentei, olhei, disquei e desisti. Já olhei o número deles, pensei no dela, nela. Penso muito nela, bem e mal, mais mal, é verdade, eu tenho esses problemas. Só hoje ela já me traiu com três, de várias formas, em várias situações, das disconfianças à minha imaginação e à minha paranóia. Eu me entristeço e me entrego. Eu devia ligar, mas posso ser chato.

Releio
coisas. Tudo é sempre novidade, embora cada frase e cada assunto traga em si um cansaso de deja vu e, muito embora haja isso tudo ainda não lido, ainda passeio mesmo por essas páginas já vistas, revistas, romances, cartas, Woolf's, Mann's, Sartre's...

Há sempre música na minha solidão, talvez por isso ela pareça menos só, talvez até explique por momentos o frio na minha espinha. Porque quando imagino mundos no meu teto branco, há sempre uma voz a me invadir e me tirar das tragédias que eu mesmo criei. Ela hoje já me traiu com quatro. Eu vi no meu teto. Branco. Mas quando seus suspiros se misturam com palavras de Marshall, Harvey, Curtis, Calcanhoto, tudo parece perder o sentido. A música é o caos que cria em nós. De acorde em momento e em emoção eu atravesso muito da minha solidão dançando como ninguém poderia ver, antes de ligar a tevê.

"oh, come on child, in a crossbones style"

Há muito o que ler na minha estante, muito o que lavar na minha pia, muito o que varrer dos meus cantos e há até o que curar no meu corpo, mas há um mundo lá fora por dentro da Televisão.

Não, não é aqui que eu escrevo, também há muito o que escrever, mas tenho tanta música, tanta palavra, tanta tragédia a imaginar. Eu ainda tenho alguns minutos de solidão. Para escrever me basta tinta e papel. Para ficar só me exige muita fuga da solidão. Não, não é aqui que eu escrevo. Porque a porta abriu. Porque o mundo entrou me contando de violência, realidade, de absurdas tragédias que eu não conseguiria imaginar. Agora não sou eu, estou apenas fingindo, porque ainda tenho em meus cabelos uns brilhos de sonho a serem enxaguados, porque meus ouvidos ainda pedem pela música e meus olhos que apaguem a luz. Mas o dia acabou, é preciso viver por ao menos uns trinta e dois minutos e esperar tudo parar, da música, pelas tragédias até a realidade, tudo parar. Agora, pela janela eu passeio da luz estática do poste na avenida à nuvem antártica da nuvem de chuva anunciada, eu tenho cá minhas antenas de estimação apontando tensas contra o peso escuro do céu e minhas árvores de inspiração, a música não é mais do que o que trago na memória e o que escrevo não é mais do que a lembrança de uma outra solidão.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Primeiros trinta segundos

"Canetas e livros e comida com meus all-star sujos no chão, pois eu não passo de mais uma amálgama numa lata de sardinha, da classe média à periferia, todo dia". Ela penteava os cabelos pensando em escovar os dentes e escovava se perguntando se era como a TV tinha ensinado. Se os cabelos já estivessem o mais possivelmente à moda de Hitler, ela podia abandonar o apartamento. "se ele pegasse fogo eu perderia... as pessoas sentiriam pena de mim, a dona Dolores... eu iria embora pra longe, talvez fosse para onde coisas acontecem, para onde o mundo já me transformasse no que eu quero ser, sem bienais nunca mais, sem esperar por uma peça, ler sinopses, sem downloads, sem alternativas. Eu saio e não tenho opção se não fazer o que eu gosto, meu próprio mundo stalinista, e se eu quisesse assistir a um blockbuster, me preocuparia em como voltar pra casa depois...não iria...a dona Dolores talvez me desse almoço." Já no primeiro andar, voltava e desligava o gás, olhava a porta sendo trancada por sua chave, tentava guardar a imagem na memória, para não ter que voltar novamente.

As ruas eram claras e frias. A impressão de que todos que perpassam não são nada senão mudos. "Pra onde vai o playboy arrumado senão para o mesmo inferno que eu, se ele não for empregada de cozinha? Será que já fabricam empregados, mas por que o cabelo não está molhado e onde está a sacola? Para onde vai a atendente de telemarketing se ela cruza na direção oposta, se para lá não existem consultórios médicos, odontológicos, publicitários...telefones a se atender? Para onde vão todos esses mudos se deveriam estar indo para onde eu vou, na mesma lata, evitando o mesmo suor? Eles devem ser do futuro, onde eu ainda vou chegar." Continua o mesmo rumo de todos os dias úteis, quando havia pessoas úteis indo para seus lugares misteriosos e desconhecidos, "talvez seitas secretas, escritórios da máfia, escolas sem credenciamento." Aumentava as distancias e diminuia o cansaso, acelerava o passo e perdia a vontade de voltar, perdia a lembrança de como deixara o apartamento, do plano de regressar o mais rápido possível e voltar a dormir, guardava, como ontem, tudo na mesma inconsciencia. "Vou chegar atrasada, direi que tive um acidente, carros batem todo dia, pessoas batem todo dia, estrelas explodem todo dia. Se isso aqui batesse e eu não acho que morreria, iria andando ou esperaria por outra lata com menos sardinhas? Eu não preciso de atestado para acidentes, assaltos, brigas em família, mas talvez ela peça. Eu preciso me fazer um corte, um curativo, um hematoma... talvez precise fingir um choro. Com quem eu brigaria em casa, também justificaria os cortes, senão pelo menos em minha alma, esses eu não preciso fingir, mas esses eu não consigo chorar. Porra, como eu tô atrasada. Oi, tudo bom?" - Oi, cê vai chegar atrasada num vai? "vou sim, me deixa ir, porra agora eu tô mais atrasada... O acidente, não precisa de cortes, posso contar um história inteira, o motorista da frente estava no celular brigando com o empregado da firma porque ele esqueceu da última entrega de ontem a noite, mas eles vão dar um jeito no problema o empregado não vai ser demitido por isso só quando a Joelma esposa dele ficar grávida e ainda vai ser justa-causa o motorista já sabe até o que dizer mas eu não sei ele freia no sinal verde e a gente bate descem todos e eu tenho que esperar a próxima lata com menos sardinhas e por isso cheguei atrasada, pronto é isso" Ela entra na sala
"Bom dia"

- Bom dia

senta, sorri e se cala.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

A vida dos outros

O sujeito acorda de manhã e cutuca a esposa para fazer seu café. Passa uma ruidosa meia hora no banheiro sofrendo de, no mínimo, uns três males intestinais e escova os dentes com a mesma escova que tem há 3 anos porque trocar uma escova novinha é frescura de dentista. A parede está mofada. A mulher tem orgulho de sempre manter a casa arrumada e ele pega seu cordão dourado de cruxifixo na ponta, benze-se frente a imagem de nossa senhora sobre a rendinha na mesinha encostada no canto do quarto. Toma café em copo de geléia e come pão com manteiga vestindo uma bermuda jeans desbotada, o cordão já balança no peito cabeludo e ele segura a camisa xadrez de botão sobre a perna aberta que mantém fora da mesa. Hoje está de folga na empresa de taxi.
Todo dia na volta pra casa, o sujeito em questão passa em frente a uma locadora nova que abriram a alguns quarteirões de casa. O muro branco enfeitado de azul, coisa simples, pequena, coisa de bairro. Tem escrito bem grande um nome em inglês que ele não entende mas ele nunca usou o aparelho de DVD que comprou na liquidação do shopping no natal passado. Enquanto a esposa fala alguma coisa sobre a vida da cunhada ele resolve dar uma caminhada.
O estabelecimento é mal iluminado e pequeno, tem um ventilador numa cadeira de plástico, uns discos nas prateleiras da parede e um rapaz de 17 anos atrás de um balcão de vidro passando os olhos numa revista. O referido homem dá uma pisada pra dentro, enxuga o suor da testa com uma mão e dá a outra:
- E aí.
O rapaz aperta de leve a sua mão:
- E aí.

- Rapaz o que é que tem de filme bom aí?
- Aí depende do que o senhor acha bom.
- Filme bom! Uns filmes com uns homem escroto, sabe?
- Os filmes de ação estão ali.
- Esse filme aqui é bom, é?
- Eu não gostei, não, mas é porque eu não gosto desse tipo de filme.
- Pois me mostre aí uns filme que a gente gosta.
- Eu gosto daqueles ali.
- Uns filme que homem gosta.
- Aí depende do homem, não?
- Não, tem uns filme que todo homem gosta, né não?
- ..........ah.
- Me mostre aí um pornozão bem fela da puta.
- Um bem fela da puta. Aqui os filmes de mulher.
- Olha aí rapaz, as bixinha bem arrumadinha.
- Pois é.
- Aqui, esse aqui, ô negona do rabão.
-...
- Como é que a gente faz pra levar?
- Tem que ter o cadastro. - Que que precisa?
- Identidade, comprovante de endereço e renda.
- Dá pra liberar dessa renda, não?
- A dona não deixa...
- E cadê essa dona? - ... e ela não está aqui.
- Porra, meu irmão.
- Pois é.
- Eu vou ali em casa, se a mulher num tiver lá eu volto já.
- Está certo.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Olhos

Eu sou daquele tipo mal educado que encara as pessoas. Mas eu não faço por mal, eu só não consigo evitar porque eu escreveria um Ulisses para cada olhar que cruza o meu durante cada dia de aventura que é sair de casa pra viver nesse mundo doido. É que eu preciso saber de cada vida.
Mas eu estaria mentindo se dissesse que me lembro de cada pessoa pelos olhos.
Da Amanda, por exemplo, eu lembro o topo da cabeça e o começo das costas, da Raquel, o movimento dos cabelos, da minha mãe a sobrancelha esquerda e do Daniel a semelhança entre ele e aquele retrato do avô que ele tem na sala de casa.
Do Bruno eu lembro os olhos,
ou os óculos.
Mas é porque o Bruno tem aquele olhar de quem vai te pegar pela mão e te levar pra viver tudo que há de mais divertido nessa vida, que vai te cuidar e te deixar e te comer vivo e viver com você e todo mundo mais dentro dele, tem um mundo dentro do Bruno. O Bruno tem olhar de gente que está viva, me dá um medo e uma vontade. Gente assim, porque deve existir mais gente assim, parece que descobriu uma coisa óbvia sobre tudo, ou já nasceu sabendo, mas não sabem que os outros não sabem. Acho que depois de Adão e Eva, Deus fez os antepassados do Bruno mas eles fugiram do Éden por livre e espontânea vontade, e agora existem essas gentes entre nós. Acho isso uma tremenda sacanagem.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Fragilidades

Imaginou como seria brincar de esconde-esconde sozinha no apartamento. Foi assim que arranjou motivo para encolher-se naquele único canto do quarto que nunca teve motivo para ir. Só seu agora e deixou seu escrito na parede, em letra pequena, ilegível e não original: I was here, and only me. Assim, sem consciência da metafísica moderna, reafirmou, only me. E para manter sua palavra escrita, decidiu montar virgília eterna àquele ínfimo pedaço de parede, deixando-o apenas, e com muito temor e pesar, no dia do próprio funeral. Tratava-se de um fantasma moderno, para a eternidade escolhera uma camiseta branca com uma estampa do Velvet Underground, uma saia jeans, sandálias rasteiras e uma fita vermelha no cabelo preto. Só aparecia em fotografias de aniversário e sempre desligava o forno quando um bolo ia queimar, sempre sabotando qualquer projeto de pintura daquele seu ponto na parede, onde ela, e apenas ela havia estado. Sessenta e oito anos se passaram e orgulhosamente seu escrito constituiu uma pequena mancha ignorada no canto do quarto.Naquele dia, durante a estadia de um jovem escritor de cyber-contos vintage, a fantasma deparou-se com as palavras deixadas na tela de um computador:

"Eu posso dividir meu segredo com você se disser em qual das minhas mãos ele está.
Qual dessas duas mãos sempre tão cheias de dedos, que dedilham fios de cabelo e fios de navalha.
Que sangram sempre o mesmo sangue e tocam sempre os mesmos acordes.
O mesmo arpejo que resume a vida"

E ficou perdida por entre palavras e significados, segredos próprios e alheios, o absurdo, como se pode brincar assim com aquilo que podia haver de mais frágil e perigoso dentro de um coração? Por um instante, pode sentir-se tomar formas de revolta, angústia e indignação. Por não ter mais corpo, se esculpia de tudo o que sentia, tinha agora o desenho do abraço entre agonia e incerteza. Pela primeira vez em muito tempo, esqueceu-se do seu posto de guarda, seu lugar cultivado naquela existência. E se fosse tarde? Tropeçou pelo ar até o quarto e o jovem rapaz tocava sua mancha, tarde demais, nada a fazer, era o fim. Ele acariciou a parede e olhou ao redor e por segundos eternamente turvos, pareceu fitá-la. Levantou-se. O que faria? O que ele faria? E depois disso o que ela faria? O que fazer? O que esperar? Tintas, ele tinha tintas, ele iria pintar sua parede, seu espaço, sua lembrança, amarelo sobre seus sentimentos e tudo teria um fim, ela teria que descansar em paz afinal, já podia sentir-se afogar dentro da lata de sem cheiro e de secagem rápida, acabaria assim então.Com o pincel, o jovem escritor desenhou com cuidado um pequeno abrigo circular para a pequena mancha e suas miúdas letras, depois um círculo maior, ao redor de tudo isso. Boquiaberta, ela assistia, como quem assiste a própria morte (pela segunda vez). O círculo maior foi contornado com uma fina linha branca na parede verde, e preenchido de laranja, mantendo sempre a salvo a pequena mancha dentro de suas fronteiras arredondadas. Eram os requintes de crueldade. E com o pincel mais fino, o jovem escreveu com olhos concentrados ao redor do círculo menor:

...Been everywhere, but there.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Santa, santa, santa.

Logo de manhã o sol é uma imensa faixa clara, quente e agressiva através dos olhos e das lentes UVA e UVB, reflexos e vultos reluzentes de bocas e pernas e tênis e rodas e fios de cabelo e telefone, buracos, tropeços, monstros e outdoors amassados de lingeries. Pedaços de manhã pela avenida. Não é o que se vê, é o que se ouve nos motores dos ônibus e dos carros e no assar das peles e do asfalto na margem da avenida. Tanta, tanta, tanta, tanta, tanta gente e nenhuma voz humana. Se algo corta de repente seu ouvido antes que desmaie: Um celular, e tudo volta a mais barulhenta e angustiante normalidade da margem da vida urbana. Correu alguém, menina, all-stars, mochila adidas pesada e gasta, calça jeans colada e camiseta de farda colegial. Em seu quarto ela joga os livros como se livrasse de uma imensa pedra que quase racha o azulejo do apartamento, liga o ventilador e deita na cama para tornar-se o que há de mais culpado e invejado dentre as almas operadoras de telemarketing e representantes de vendas. Santificada, fecha os olhos e os ouvidos com um lençol, libertando-se de todo e qualquer mal, santa maria dessa manhã, a ti devemos a esperança de voltarmos para nossas famílias, sãos, salvos e exaustos. Façamos hoje uma oração antes que o sol e o motor derreta nossa fé e amemos essa imagem quando o ônibus nos levar dessa vida.

Vida de bolso

Quando saiu de casa tudo que queria era um cachorro quente, e a TV mandava nunca mais jantar. Não tinha desses dias que se passam em fotografias do pôr do sol e certamente não duraria mais de um mês ouvindo Tom, Jobim ou Zé.
Saiu de frente a um apartamento, um emprego, um filho, um casamento e num domingo, dessas horas tão mortais, foi se hospitalizar.

"...e então minha melhor amiga vem a ser a máquina de hemodiálise. E dentre tantas vidas que se lê, nem sei nem quando eu vou voltar, mas entre raios e estímulos tão vitais, eu peço um disco voador... e eu não desço mais."

Você

Você me viu passando e nada fez, você, essa vergonha e inatitude. Por causa de você ele voltou para casa e escreveu e no dia seguinte nada mais daquilo fazia nenhum sentido porque nada nunca faz. Você, a segunda pessoa do meu dia e da minha língua, minha realidade, que descende de tu e se perde entre eles. Tocou meus dedos por acidente naquele dia e nunca mais, mas aqui está. E é tarde demais. Você agora é outro, por isso sou outro e assim continuamos sob sucessivas transmutações como se nos tornássemos líquido e recipiente, barro quente e mão.

Entenda.

Você acordou naquele dia como acorda todos os dias mas o dia só começou algum tempo depois. Você olhou o espelho e viu ele, viu eu. Você vestiu-se de acordo e saiu. No caminho esbarrou comigo, vestido de você e isso foi apenas uma vez, pois meu eu e seu eu são raros de se ver. Eu ainda esbarraria com muitos de você. Depois de mim um primeiro ele também vestido de você, falando com a sua voz:
- Quem é você?

Quem é você afinal? Quem sou eu? Há muito tempo não me vejo e duvido se existo.

- Você sou eu...

Quem é ele? Ah, ele. Ele é tudo que há de pior e de mais belo, é tudo que quisermos que seja.

- Mas quando olho, o que vejo sou eu.

A verdadeira culpa

O eu-lírico levantou para beber água na cozinha
e ficou lá de papo com a Creuza
enquanto isso a caneta foi, e contou tudo.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Uma hora, uma madrugada.

Woooff. Está frio aqui.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Presente feito em casa

- Vai quebrar, vai quebrar.
quebrou.
- Eu avisei, não avisei?
Tinha que ser delicado e tinha que ter os dedos leves, levinhos, levíssimos.
Mas enquanto tentava entender que -íssimos não fazem parte da poética dos barbantes, ele errava, rasgava e tantava de novo.
- Olha só, cuidado... cuidado. Não!
Outro.
Enquanto isso se perdiam os panos, as linhas e os barbantes. Além do sentido de carinho da coisa

quarta-feira, 26 de maio de 2010

The bright side.

A janela não podia mais fazer nada, havia um prédio entre ela e o céu e o sonho de amor platônico adolescente.
E foi então que ela conheceu a antena.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Uma curta jornada noite adentro.

Que grande porcaria essa vida, seria melhor ter nascido uma noite clara, ainda que só durasse a embriaguez e os assassinatos e as estórias de amor lunar que lhe coubessem, poderia ter a sorte de cobrir um tango improvisado numa pracinha deserta.
Sentava no banco da calçada olhando a copa das árvores e lembrando que cada balanço de galho era uma fotografia a ser seguida por outra e que aquilo tudo era só poesia. Retórica, literariedade.
Ainda que explique toda essa lentidão. Porque a máquina fotográfica da existência não deve ser digital e não havia acelerado um segundo só desde que fizera treze anos, depois de poupar o coração do primeiro e suposto não e jogar a primeira semente de arrependimento no azulejo do quarto, ela floresceu. O sol nascia e se punha na mesma velocidade e as sakuras do japão saíam e voltavam para o mesmo eixo no mesmo horário. Eram os satélites que chacoalhavam as pessoas numa velocidade de vidas por segundo.
Não havia grãos para jogar aos pombos, nem havia pombos. Apenas olhares para jogar aos carros. Tentava e tentava ocupar as mãos vazias com alguma coisa da cabeça cheia. Não dava. Tateava o chão com os pés como que perdesse a certeza de que pelo menos o chão continuava firme. Não se concentrava em si pois haviam muitos pés e vozes ruidosas ao redor, também não se concentrava nelas. Esqueceu porque estava ali e deu-se por satisfeito. Pegou uma onda de rádio de volta pra casa e desligou a luz.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Cabeça sobre capuccino

Um capuccino e uma coxinha. Por ter feito as contas e por achar que convinha, eu tomava café todas as manhãs no café do super-mercado pra reparar na vida alheia. Era novidade pra mim. Por que uma coxinha e um capuccino, Rafael, Pedro, Daniel? E por que não? Eu dava bons dias em dias nem sempre bons e em outros eu esquecia. Agora estava de frente a uma coxinha e um capuccino e não me lembrava se dera ou recebera um bom dia, tanto do universo quanto da minha mesa vizinha. Se sua aura te denuncia, se o universo e a posição dos astros dizem suas poucas e suas boas, se você é o que você come, o que é uma coxinha e um capuccino para o signo de libra em olhos apertados de sono?

Por certas vezes, dividi minha mesa com outros alguéns. Tive medo. Pela boca abrem-se as portas do meu particular mundo meu. E se descobrirem? Eu nunca tenho nada a dizer porque já digo tudo pra mim. Você vai ter que acreditar no que meus olhos, meu signo e minha coxinha com capuccino disserem a você sobre mim. E um deles sempre mente, o outro não se explica, os outros falam outra língua.

Hoje sentou-se ao meu lado e me fez sentir falta de ontem. Levei meu café imaginando como seria amanhã. É o que faço aqui nesse mundo, passo o tempo trocando o que é pelo que seria, sabendo que tudo isso já foi.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Rua de casa

Enquanto estou aqui esperando amanhecer, nunca deixo aquela rua. Nem vou deixar..Quando numa noite dessas eu estiver de passagem - ou de volta - e me encontrar. Quero ter um Band-aid pra me entregar e por no meu dedão. Algum conselho a receber.

Da minha janela eu não consigo ver agora. Mas sei que estou ali sob o poste solitário de luz amarelada, sentado na calçada, brincando com as pedras pequenas que já brotam do asfalto. E dessa noite, por mais que eu veja nascer o sol de Manchester ao Tibet, nunca sairei

terça-feira, 11 de maio de 2010

Pós-vida, pós-modernidade.

Então ela atendia o telefone. Vezes demais para que pudesse contar cada caso aos amigos. Um dia ele ligou. Ela atendeu como de praxe, repetindo o nome da representante de planos de saúde via telemarketing. 'droga, errei de novo'. Como ele continuasse na linha ela continuou o procedimento padrão e ofereceu seus serviços. 'Não querida, não era com você que eu queria falar'. Ela ganhava por comissão, o que já diz muita coisa. 'Não acho que vá precisar mais de plano de saúde, querida'. E ela estava naquele emprego só pelo dinheiro. 'não, meu amor, realmente não preciso mais desse tipo de serviço'. Eles também tinham um plano odontológico. 'Entendo, mas também não acho que precise mais conservar meus dentes'. O humor era uma forma efetiva de approach aos clientes, embora ela detestasse tentar ser engraçada como se fosse gorda. Ele respondeu como se não fosse uma piada, 'é, realmente não preciso mais dos meus dentes pra isso'. Ela não era boa no que fazia, fez-se um silêncio de certa forma cômico. 'O fato é que eu já estou morto, minha querida'. Ela ganhava por comissão e desligou.

Na semana seguinte, a mesma voz, mas ela não lembrou. 'droga...' e ela não entendeu e repetiu o protocolo. 'Eu errei...' a memória veio. 'Eu não estou brincando, querida.' E ela tinha sérios problemas com certas formas de tratamento.'Querida é só forma de dizer' Ela queria por um fim aquilo. Ganhava por comissão. 'Eu realmente não tinha a intenção'
Desligou.

A atendente não levantava para tomar café como faziam os colegas, não por não gostar de café, mas por outros dois motivos: não queria fazer parte e... tinha a coisa da comissão, junto com cada café eram bebidas umas três ligações, ela nunca fizera as contas. No horário de almoço ela desenhava qualquer bobagem nas costas dos documentos e também não era tão boa nisso como não o era em disfarçar o desprezo pelos seres de escritório. Não fazia diferença. Naquelas horas ela não tinha nome nem número para contato. Isso ia das oito da manhã às seis da noite. Na hora que visse o próprio reflexo na janela do ônibus de volta pra casa, lembraria que existe. E de como isso não parecia bom, existindo além dela todo o resto do mundo. Tinha um gato, mas gatos não se importam. O céu era púrpura e só, as músicas eram bonitas e não havia caos além disso, os postes seguiam apenas a dualidade de estarem acesos ou não e finalmente as antenas eram apenas antenas. O mundo era uma bola azul e isso não representava muito além de imagens de televisão. O morto no telefone não era, então, muito além de um morto no telefone.

No dia seguinte todas as folhas de papel foram trocadas por computadores pré-programados que pareciam também ganhar por comissão. Foi o pior almoço dos últimos tempos. Às três da tarde ela repetia o mesmo nome já perdia a conta de quantas vezes. 'Não é possível.' E hoje não era dos melhores dias, aqueles computadores.
- Escute, meu senhor, o senhor não tem o que fazer?
- Últimamente não.
Ela sentia que ele insistiria, e queria uma oportunidade.
- O que o senhor quer dizer com isso, senhor?
- Bom, desde que eu morri...
- Não me venha com essa.
- Não precisa me chamar de senhor.
- É a força do hábito, porque o senhor está me ligando?
- Não me chame de senhor.
- ...
- E não era minha intenção.
- Essa já é a terceira vez.
- Juro que queria falar com outra pessoa.
- E por que o se... você não disca outro número?
- Bom, daqui eu não tenho discado números.
Não era possível que ele continuasse.
- E onde o senhor está?
- Bom, quando se está vivo se chama de além, né? Mas agora eu não sei mais.
A colocação era boa, ela quase riu.
- E agora gente morta fala ao telefone?
- Eu também não sei como.
- Vai ver por isso o senhor liga pra cá sem querer, né.
- Não me chame de senhor.
- Desculpe.

E o diálogo com o morto levou dez cafés umas três comissões em seu ritmo, sete no ritmo das melhores atendentes. Ele tentava ligar para sua viúva, morrera com vinte e cinco anos ao cair da bicicleta com a cabeça na calçada enquanto passeava pelo parque. Ela ofereceu-se para dar o recado.
- Eu não sei exatamente o que quero dizer.
- Bom, eu também não.
- Pensarei em algo.
- Por que não diz simplesmente que a ama?
- Não seria verdade.
-...
- Pensarei em algo.
- Está bem.
- Melhor você ir, né?
- Acho que sim.
- Foi um prazer.
- Igualmente.
Fez-se um silêncio e desligaram.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Astrovaldo: desamparado, alienígena, alienado.

Eu desci aqui em um raio de sol.
E logo me fizeram alugar um apartamento. Foram abaixo todos os meus planos, quando aqui se chega, logo se esquece deles. Eu encontrei um homem, eu encontrei muitos deles. Aonde você vai? ele riu de mim. As coisas se passam, e aprendi que as pessoas também. Ontem arranjei um emprego. Eu não sei mais do que eu gosto, sou eclético, sou holístico, sou um cidadão do mundo. A minha impressão no início era de, na verdade, simplesmente não ser. Mas ter, eu tenho, isso sim, tenho muito. Se há algo que faço por aqui é ter. O que estou fazendo aqui? eu rio de você.
Quando cheguei, fui colando nos postes todos os segredos sobre o sentido de se estar aqui: no universo. No meu terceiro cartaz eu vi um anúncio de cartomante e fui em busca de respostas. Preciso de velas vermelhas ou de uma galinha preta ou de um rim de recém-nascido ou então de cinquenta reais. Precisei de um emprego e precisei de qualificação e precisei estudar. Gastei três anos e cento e sessenta reais e noventa centavos no supletivo. Ontem consegui um emprego e mês que vem receberei meus cinquenta reais. Pagarei a primeira parcela do supletivo e em quatro meses terei os cinquenta reais e minhas respostas.

Primeiro perguntarei se não seria mais fácil conseguir o rim.
Alguns feixes de sol podem me levar daqui para algum tempo a frente, mas perde-se tudo o que aconteceria nesse período da vida. Nesses quatro meses de trabalho nada me acontecerá, então me adianto. O seu Batista lá do escritório me pediu um feixe até ele terminar a obra na casa e o seu José me pediu feixes suficientes até ele ver suas filhas criadas, afinal, até lá ele só trabalharia e receberia seus cinquenta, nada demais a perder.
No quarto feixe ele morreu e suas filhas estão criadas.
Já tenho meus cinquenta, mas o preço da verdade aumentou. Se eu comprar um carro, junto tudo mais rápido. Melhor juntar para comprar um carro, então eu compro as respostas. Até lá será muito tempo mas eu serei um vencedor.
Tenho muitos feixes a pegar.

Tunic (for aki)

Sonhando. Sonhando com a garota que acredito ser. Andando pelas ruas, encarando os negros, os velhos, executivos. Sonho com a imagem que tenho de mim mesma e quão impressionantemente comum ela pode parecer aos outros.
Sonhando. Sonhando sobre como eu deveria ser se tivesse feito todas as coisas certas desde que meus pais me trouxeram do hospital. Se não tivesse levado aquela queda, não tivesse estourado aquela espinha, não tivesse realizado aquela vingança. Sinto como se pudesse ignorar o mundo.
Mas quando me olho no espelho, sou menor de todas as formas.
'Venha com a gente', ele disse, 'cante com a gente.' E então eu abro meus olhos e eles me alimentam e por mais que eu não goste daqui, não há outro lugar para estar.'Beba' ele disse e eu bebi, de novo e de novo, 'dance' ele disse, e como se a música não acabasse, eu dancei. E são nesses dias eu tenho acordado como quem morreu na noite anterior. 'trabalhe', e eu trabalhei. 'coma', 'corra', 'compre', 'ame', 'inveje' e eu me abandonei - alô? oi? Tente desligar e ligar de novo. alô? Pois não. Vou lhe transferir para o outro setor. alô? sim? não, a Lara não está, não das 6 da manhã até as dezoito horas. Ela está abandonada.'Venha' ele diz, e eu vou. Percebo meus olhos abertos. Vou, canto, bebo e danço e morro todo dia.
Mas quando consigo acordar, eu sonho. Sou mais viva de todas as formas.
Como e atendo todas as ligações. Sinto como se desaparecesse. Espero na luz vermelha e sigo na luz verde, não por medo de morrer, mas porque é assim que funciona.
Corro e rabisco um horror nas costas de algum documento para poder passar por tudo isso e naquele dia faltaram papéis. Foi pesado demais. Grite, eu me disse e eu gritei. E quando percebi os meus olhos abertos, vi outros olhos de todas as formas. Eu corri, chorei e estraguei meu esmalte vermelho quando abri essas linhas nos meus braços. Eu sei que não importaria pra onde fosse o ônibus que eu pegasse. Eu apenas paguei a passagem e passei.

Uh...er...ready?

ready freddy.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010