quarta-feira, 26 de maio de 2010

The bright side.

A janela não podia mais fazer nada, havia um prédio entre ela e o céu e o sonho de amor platônico adolescente.
E foi então que ela conheceu a antena.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Uma curta jornada noite adentro.

Que grande porcaria essa vida, seria melhor ter nascido uma noite clara, ainda que só durasse a embriaguez e os assassinatos e as estórias de amor lunar que lhe coubessem, poderia ter a sorte de cobrir um tango improvisado numa pracinha deserta.
Sentava no banco da calçada olhando a copa das árvores e lembrando que cada balanço de galho era uma fotografia a ser seguida por outra e que aquilo tudo era só poesia. Retórica, literariedade.
Ainda que explique toda essa lentidão. Porque a máquina fotográfica da existência não deve ser digital e não havia acelerado um segundo só desde que fizera treze anos, depois de poupar o coração do primeiro e suposto não e jogar a primeira semente de arrependimento no azulejo do quarto, ela floresceu. O sol nascia e se punha na mesma velocidade e as sakuras do japão saíam e voltavam para o mesmo eixo no mesmo horário. Eram os satélites que chacoalhavam as pessoas numa velocidade de vidas por segundo.
Não havia grãos para jogar aos pombos, nem havia pombos. Apenas olhares para jogar aos carros. Tentava e tentava ocupar as mãos vazias com alguma coisa da cabeça cheia. Não dava. Tateava o chão com os pés como que perdesse a certeza de que pelo menos o chão continuava firme. Não se concentrava em si pois haviam muitos pés e vozes ruidosas ao redor, também não se concentrava nelas. Esqueceu porque estava ali e deu-se por satisfeito. Pegou uma onda de rádio de volta pra casa e desligou a luz.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Cabeça sobre capuccino

Um capuccino e uma coxinha. Por ter feito as contas e por achar que convinha, eu tomava café todas as manhãs no café do super-mercado pra reparar na vida alheia. Era novidade pra mim. Por que uma coxinha e um capuccino, Rafael, Pedro, Daniel? E por que não? Eu dava bons dias em dias nem sempre bons e em outros eu esquecia. Agora estava de frente a uma coxinha e um capuccino e não me lembrava se dera ou recebera um bom dia, tanto do universo quanto da minha mesa vizinha. Se sua aura te denuncia, se o universo e a posição dos astros dizem suas poucas e suas boas, se você é o que você come, o que é uma coxinha e um capuccino para o signo de libra em olhos apertados de sono?

Por certas vezes, dividi minha mesa com outros alguéns. Tive medo. Pela boca abrem-se as portas do meu particular mundo meu. E se descobrirem? Eu nunca tenho nada a dizer porque já digo tudo pra mim. Você vai ter que acreditar no que meus olhos, meu signo e minha coxinha com capuccino disserem a você sobre mim. E um deles sempre mente, o outro não se explica, os outros falam outra língua.

Hoje sentou-se ao meu lado e me fez sentir falta de ontem. Levei meu café imaginando como seria amanhã. É o que faço aqui nesse mundo, passo o tempo trocando o que é pelo que seria, sabendo que tudo isso já foi.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Rua de casa

Enquanto estou aqui esperando amanhecer, nunca deixo aquela rua. Nem vou deixar..Quando numa noite dessas eu estiver de passagem - ou de volta - e me encontrar. Quero ter um Band-aid pra me entregar e por no meu dedão. Algum conselho a receber.

Da minha janela eu não consigo ver agora. Mas sei que estou ali sob o poste solitário de luz amarelada, sentado na calçada, brincando com as pedras pequenas que já brotam do asfalto. E dessa noite, por mais que eu veja nascer o sol de Manchester ao Tibet, nunca sairei

terça-feira, 11 de maio de 2010

Pós-vida, pós-modernidade.

Então ela atendia o telefone. Vezes demais para que pudesse contar cada caso aos amigos. Um dia ele ligou. Ela atendeu como de praxe, repetindo o nome da representante de planos de saúde via telemarketing. 'droga, errei de novo'. Como ele continuasse na linha ela continuou o procedimento padrão e ofereceu seus serviços. 'Não querida, não era com você que eu queria falar'. Ela ganhava por comissão, o que já diz muita coisa. 'Não acho que vá precisar mais de plano de saúde, querida'. E ela estava naquele emprego só pelo dinheiro. 'não, meu amor, realmente não preciso mais desse tipo de serviço'. Eles também tinham um plano odontológico. 'Entendo, mas também não acho que precise mais conservar meus dentes'. O humor era uma forma efetiva de approach aos clientes, embora ela detestasse tentar ser engraçada como se fosse gorda. Ele respondeu como se não fosse uma piada, 'é, realmente não preciso mais dos meus dentes pra isso'. Ela não era boa no que fazia, fez-se um silêncio de certa forma cômico. 'O fato é que eu já estou morto, minha querida'. Ela ganhava por comissão e desligou.

Na semana seguinte, a mesma voz, mas ela não lembrou. 'droga...' e ela não entendeu e repetiu o protocolo. 'Eu errei...' a memória veio. 'Eu não estou brincando, querida.' E ela tinha sérios problemas com certas formas de tratamento.'Querida é só forma de dizer' Ela queria por um fim aquilo. Ganhava por comissão. 'Eu realmente não tinha a intenção'
Desligou.

A atendente não levantava para tomar café como faziam os colegas, não por não gostar de café, mas por outros dois motivos: não queria fazer parte e... tinha a coisa da comissão, junto com cada café eram bebidas umas três ligações, ela nunca fizera as contas. No horário de almoço ela desenhava qualquer bobagem nas costas dos documentos e também não era tão boa nisso como não o era em disfarçar o desprezo pelos seres de escritório. Não fazia diferença. Naquelas horas ela não tinha nome nem número para contato. Isso ia das oito da manhã às seis da noite. Na hora que visse o próprio reflexo na janela do ônibus de volta pra casa, lembraria que existe. E de como isso não parecia bom, existindo além dela todo o resto do mundo. Tinha um gato, mas gatos não se importam. O céu era púrpura e só, as músicas eram bonitas e não havia caos além disso, os postes seguiam apenas a dualidade de estarem acesos ou não e finalmente as antenas eram apenas antenas. O mundo era uma bola azul e isso não representava muito além de imagens de televisão. O morto no telefone não era, então, muito além de um morto no telefone.

No dia seguinte todas as folhas de papel foram trocadas por computadores pré-programados que pareciam também ganhar por comissão. Foi o pior almoço dos últimos tempos. Às três da tarde ela repetia o mesmo nome já perdia a conta de quantas vezes. 'Não é possível.' E hoje não era dos melhores dias, aqueles computadores.
- Escute, meu senhor, o senhor não tem o que fazer?
- Últimamente não.
Ela sentia que ele insistiria, e queria uma oportunidade.
- O que o senhor quer dizer com isso, senhor?
- Bom, desde que eu morri...
- Não me venha com essa.
- Não precisa me chamar de senhor.
- É a força do hábito, porque o senhor está me ligando?
- Não me chame de senhor.
- ...
- E não era minha intenção.
- Essa já é a terceira vez.
- Juro que queria falar com outra pessoa.
- E por que o se... você não disca outro número?
- Bom, daqui eu não tenho discado números.
Não era possível que ele continuasse.
- E onde o senhor está?
- Bom, quando se está vivo se chama de além, né? Mas agora eu não sei mais.
A colocação era boa, ela quase riu.
- E agora gente morta fala ao telefone?
- Eu também não sei como.
- Vai ver por isso o senhor liga pra cá sem querer, né.
- Não me chame de senhor.
- Desculpe.

E o diálogo com o morto levou dez cafés umas três comissões em seu ritmo, sete no ritmo das melhores atendentes. Ele tentava ligar para sua viúva, morrera com vinte e cinco anos ao cair da bicicleta com a cabeça na calçada enquanto passeava pelo parque. Ela ofereceu-se para dar o recado.
- Eu não sei exatamente o que quero dizer.
- Bom, eu também não.
- Pensarei em algo.
- Por que não diz simplesmente que a ama?
- Não seria verdade.
-...
- Pensarei em algo.
- Está bem.
- Melhor você ir, né?
- Acho que sim.
- Foi um prazer.
- Igualmente.
Fez-se um silêncio e desligaram.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Astrovaldo: desamparado, alienígena, alienado.

Eu desci aqui em um raio de sol.
E logo me fizeram alugar um apartamento. Foram abaixo todos os meus planos, quando aqui se chega, logo se esquece deles. Eu encontrei um homem, eu encontrei muitos deles. Aonde você vai? ele riu de mim. As coisas se passam, e aprendi que as pessoas também. Ontem arranjei um emprego. Eu não sei mais do que eu gosto, sou eclético, sou holístico, sou um cidadão do mundo. A minha impressão no início era de, na verdade, simplesmente não ser. Mas ter, eu tenho, isso sim, tenho muito. Se há algo que faço por aqui é ter. O que estou fazendo aqui? eu rio de você.
Quando cheguei, fui colando nos postes todos os segredos sobre o sentido de se estar aqui: no universo. No meu terceiro cartaz eu vi um anúncio de cartomante e fui em busca de respostas. Preciso de velas vermelhas ou de uma galinha preta ou de um rim de recém-nascido ou então de cinquenta reais. Precisei de um emprego e precisei de qualificação e precisei estudar. Gastei três anos e cento e sessenta reais e noventa centavos no supletivo. Ontem consegui um emprego e mês que vem receberei meus cinquenta reais. Pagarei a primeira parcela do supletivo e em quatro meses terei os cinquenta reais e minhas respostas.

Primeiro perguntarei se não seria mais fácil conseguir o rim.
Alguns feixes de sol podem me levar daqui para algum tempo a frente, mas perde-se tudo o que aconteceria nesse período da vida. Nesses quatro meses de trabalho nada me acontecerá, então me adianto. O seu Batista lá do escritório me pediu um feixe até ele terminar a obra na casa e o seu José me pediu feixes suficientes até ele ver suas filhas criadas, afinal, até lá ele só trabalharia e receberia seus cinquenta, nada demais a perder.
No quarto feixe ele morreu e suas filhas estão criadas.
Já tenho meus cinquenta, mas o preço da verdade aumentou. Se eu comprar um carro, junto tudo mais rápido. Melhor juntar para comprar um carro, então eu compro as respostas. Até lá será muito tempo mas eu serei um vencedor.
Tenho muitos feixes a pegar.

Tunic (for aki)

Sonhando. Sonhando com a garota que acredito ser. Andando pelas ruas, encarando os negros, os velhos, executivos. Sonho com a imagem que tenho de mim mesma e quão impressionantemente comum ela pode parecer aos outros.
Sonhando. Sonhando sobre como eu deveria ser se tivesse feito todas as coisas certas desde que meus pais me trouxeram do hospital. Se não tivesse levado aquela queda, não tivesse estourado aquela espinha, não tivesse realizado aquela vingança. Sinto como se pudesse ignorar o mundo.
Mas quando me olho no espelho, sou menor de todas as formas.
'Venha com a gente', ele disse, 'cante com a gente.' E então eu abro meus olhos e eles me alimentam e por mais que eu não goste daqui, não há outro lugar para estar.'Beba' ele disse e eu bebi, de novo e de novo, 'dance' ele disse, e como se a música não acabasse, eu dancei. E são nesses dias eu tenho acordado como quem morreu na noite anterior. 'trabalhe', e eu trabalhei. 'coma', 'corra', 'compre', 'ame', 'inveje' e eu me abandonei - alô? oi? Tente desligar e ligar de novo. alô? Pois não. Vou lhe transferir para o outro setor. alô? sim? não, a Lara não está, não das 6 da manhã até as dezoito horas. Ela está abandonada.'Venha' ele diz, e eu vou. Percebo meus olhos abertos. Vou, canto, bebo e danço e morro todo dia.
Mas quando consigo acordar, eu sonho. Sou mais viva de todas as formas.
Como e atendo todas as ligações. Sinto como se desaparecesse. Espero na luz vermelha e sigo na luz verde, não por medo de morrer, mas porque é assim que funciona.
Corro e rabisco um horror nas costas de algum documento para poder passar por tudo isso e naquele dia faltaram papéis. Foi pesado demais. Grite, eu me disse e eu gritei. E quando percebi os meus olhos abertos, vi outros olhos de todas as formas. Eu corri, chorei e estraguei meu esmalte vermelho quando abri essas linhas nos meus braços. Eu sei que não importaria pra onde fosse o ônibus que eu pegasse. Eu apenas paguei a passagem e passei.

Uh...er...ready?

ready freddy.