terça-feira, 22 de junho de 2010

Você

Você me viu passando e nada fez, você, essa vergonha e inatitude. Por causa de você ele voltou para casa e escreveu e no dia seguinte nada mais daquilo fazia nenhum sentido porque nada nunca faz. Você, a segunda pessoa do meu dia e da minha língua, minha realidade, que descende de tu e se perde entre eles. Tocou meus dedos por acidente naquele dia e nunca mais, mas aqui está. E é tarde demais. Você agora é outro, por isso sou outro e assim continuamos sob sucessivas transmutações como se nos tornássemos líquido e recipiente, barro quente e mão.

Entenda.

Você acordou naquele dia como acorda todos os dias mas o dia só começou algum tempo depois. Você olhou o espelho e viu ele, viu eu. Você vestiu-se de acordo e saiu. No caminho esbarrou comigo, vestido de você e isso foi apenas uma vez, pois meu eu e seu eu são raros de se ver. Eu ainda esbarraria com muitos de você. Depois de mim um primeiro ele também vestido de você, falando com a sua voz:
- Quem é você?

Quem é você afinal? Quem sou eu? Há muito tempo não me vejo e duvido se existo.

- Você sou eu...

Quem é ele? Ah, ele. Ele é tudo que há de pior e de mais belo, é tudo que quisermos que seja.

- Mas quando olho, o que vejo sou eu.

A verdadeira culpa

O eu-lírico levantou para beber água na cozinha
e ficou lá de papo com a Creuza
enquanto isso a caneta foi, e contou tudo.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Uma hora, uma madrugada.

Woooff. Está frio aqui.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Presente feito em casa

- Vai quebrar, vai quebrar.
quebrou.
- Eu avisei, não avisei?
Tinha que ser delicado e tinha que ter os dedos leves, levinhos, levíssimos.
Mas enquanto tentava entender que -íssimos não fazem parte da poética dos barbantes, ele errava, rasgava e tantava de novo.
- Olha só, cuidado... cuidado. Não!
Outro.
Enquanto isso se perdiam os panos, as linhas e os barbantes. Além do sentido de carinho da coisa

quarta-feira, 26 de maio de 2010

The bright side.

A janela não podia mais fazer nada, havia um prédio entre ela e o céu e o sonho de amor platônico adolescente.
E foi então que ela conheceu a antena.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Uma curta jornada noite adentro.

Que grande porcaria essa vida, seria melhor ter nascido uma noite clara, ainda que só durasse a embriaguez e os assassinatos e as estórias de amor lunar que lhe coubessem, poderia ter a sorte de cobrir um tango improvisado numa pracinha deserta.
Sentava no banco da calçada olhando a copa das árvores e lembrando que cada balanço de galho era uma fotografia a ser seguida por outra e que aquilo tudo era só poesia. Retórica, literariedade.
Ainda que explique toda essa lentidão. Porque a máquina fotográfica da existência não deve ser digital e não havia acelerado um segundo só desde que fizera treze anos, depois de poupar o coração do primeiro e suposto não e jogar a primeira semente de arrependimento no azulejo do quarto, ela floresceu. O sol nascia e se punha na mesma velocidade e as sakuras do japão saíam e voltavam para o mesmo eixo no mesmo horário. Eram os satélites que chacoalhavam as pessoas numa velocidade de vidas por segundo.
Não havia grãos para jogar aos pombos, nem havia pombos. Apenas olhares para jogar aos carros. Tentava e tentava ocupar as mãos vazias com alguma coisa da cabeça cheia. Não dava. Tateava o chão com os pés como que perdesse a certeza de que pelo menos o chão continuava firme. Não se concentrava em si pois haviam muitos pés e vozes ruidosas ao redor, também não se concentrava nelas. Esqueceu porque estava ali e deu-se por satisfeito. Pegou uma onda de rádio de volta pra casa e desligou a luz.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Cabeça sobre capuccino

Um capuccino e uma coxinha. Por ter feito as contas e por achar que convinha, eu tomava café todas as manhãs no café do super-mercado pra reparar na vida alheia. Era novidade pra mim. Por que uma coxinha e um capuccino, Rafael, Pedro, Daniel? E por que não? Eu dava bons dias em dias nem sempre bons e em outros eu esquecia. Agora estava de frente a uma coxinha e um capuccino e não me lembrava se dera ou recebera um bom dia, tanto do universo quanto da minha mesa vizinha. Se sua aura te denuncia, se o universo e a posição dos astros dizem suas poucas e suas boas, se você é o que você come, o que é uma coxinha e um capuccino para o signo de libra em olhos apertados de sono?

Por certas vezes, dividi minha mesa com outros alguéns. Tive medo. Pela boca abrem-se as portas do meu particular mundo meu. E se descobrirem? Eu nunca tenho nada a dizer porque já digo tudo pra mim. Você vai ter que acreditar no que meus olhos, meu signo e minha coxinha com capuccino disserem a você sobre mim. E um deles sempre mente, o outro não se explica, os outros falam outra língua.

Hoje sentou-se ao meu lado e me fez sentir falta de ontem. Levei meu café imaginando como seria amanhã. É o que faço aqui nesse mundo, passo o tempo trocando o que é pelo que seria, sabendo que tudo isso já foi.