quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Bicicletas

Pra que isso de morrer de amor?

Já se morre por tanta coisa, tão menor, nada vale tanto quanto o sacrifício de viver. Fique em casa, estude o sexo, o que der. Os nossos deuses já não podem exigir tanto assim. Por tanto mais (e sempre menos) estivemos a beira de pular num precipício. Hoje, eu nem pulo mais, eu deslizo.

Pra que isso, amor, de ser assim?

Tudo que nós fazemos são plásticas declarações, reações químicas, bolhas individuais, tão cristais, nossa higienização. Eu só queria dominar o mundo pra minha mãe se orgulhar de mim, mas nos meus máximos só um carro, uma bicicleta, uma ereção.

Pra que isso, então, de ser distante?

Eu não te toco pra não te contaminar com meu cheiro de flores de dióxido, eu não cresci aqui, mas se um robô entende mais da terra, ele que faça o trabalho. Você não entende, você só escuta e se explica, me dá um sentido pra eu ter uma razão de ser, ninguém está aqui, são só sentidos, nada está aqui, são só palavras, são só ninguéns e mais ninguéns tentando manter a distância necessária pra te ver de fora, te entender, dar uma forma, uma substância, que na proximidade, na sinceridade, ninguém tem.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Um jazz

Eu escrevo sem o substrato de um tema
sem o trato poético
eu te utilizo
e se só a dor faz um poema
eu sigo assim
os dias passam
essas horas doem
por ti
eu mato, castro essa dor
como viva
até morrer
pelos caminhos
(coletivos)
espero morrer de calor
nessa cidade
o vento bate, magoa
a ferida tão concreta
quanto a realidade
sem sentido
algum
sem o mínimo
sem motivo
cento e uma razões pra eu te comprar
tua embalagem vale mais
em qualquer dito
qualquer momento
qualquer tristeza
esse lamento.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

R.I.P list

É aos trancos e barrancos que me deixo dizer qualquer coisa agora. Mas há uma lista de descanses-em-paz em enjoy the silence que me faz lembrar que para algumas pessoas, pessoas simplesmente morrem. Me faz pensar em todas essas almas mortas que, assim como o livro, rodeiam nossos quartos e nossos corpos, incompletas. Isso é tudo o que consigo no auge da minha fé maltratada, pra afastar a igualmente real possibilidade de todas aquelas pessoas estarem distribuídas em embalagens anti-impacto e plástico multi-uso. Porque tudo o que se desfaz aqui nesse mundo, vira polietileno.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Apenas corpos

Eu ainda estava amarrada na cama quando ele entrou, de certa forma foi constrangedor, uma falta de profissionalismo, não se pode cometer esse tipo de erro nesse ramo, quando se vende sonhos, eles não podem vir com as sobras que o outro cliente deixou no prato. Ele não queria comprar um sonho, queria o contrário, se é que isso existe. Mandou que eu vestisse a roupa, depois que a tirasse, tentei ser criativa, ele mandou que eu parasse. Apenas tirei a roupa e a coloquei. Três vezes, e na terceira já me perguntava porque ele não podia apenas foder e ir embora como todos os outros, não estava no clima para fetichistas naquela noite, mas era o trabalho então tentei encarnar o personagem. Não havia personagem, ele queria apenas que eu vestisse a roupa com a qual havia chegado e com a qual iria embora de manhã, depois a tirasse como se tivesse chegado em casa. Feito isso várias vezes, finalmente ele me comeu. Fiquei pensando como é bom não ser gueixa, prefiro ser puta mesmo.

Parágrafo desnecessário.

Devia saber que não estava pondo nada pra fora. Depois de levar umas três vidas, assim como quem leva o cachorro chato do vizinho pra passear, quando todas elas parecem uma peça tão perdida e sem graça que os mesmos atores tem agora papéis que se perguntam se realmente estiveram em outras cenas. Aquilo sim eu estava pondo pra fora. Você não. Nas últimas três manhãs acordei tentando te tirar da parte de trás da minha cabeça, que é onde você deu de morar agora. Essa presença de corpo ausente de você estraga tudo. Sinceramente eu tenho tentado rasgar meu inconsciente, te pegar pelo braço, te jogar na calçada e chutar teu estômago, te violentar e ir embora, mandar você nunca mais voltar. Fico me perguntando qual a necessidade disso tudo, se não deixei com você nenhum livro emprestado e os cds que eu te dei, nem faço mais questão de que voltem. Você devia ser agora só mais um personagem estranho, outro período, outro parágrafo já lido, já sentido. Você não faz sentido e minha cabeça um dia vai começar a sangrar enquanto meus olhos poderiam apenas um dia ter chorado, como nunca se fez, nem pelo fim que não houve nem pelo começo que eu não entendo. Há apenas um durante que teria durado, se você não fosse covarde, se eu tivesse mais maneirismos. Agora não temos mais nem tempo. Você merece um ponto final.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Todo dia.

Eu quero te comer mas não posso, eu mordo os teus pedaços em mim, porque te tenho tanto, toda hora todo momento sempre em todo clichê de amor eu tenho você. Eu nunca quero ir, na verdade eu sempre quero ir aí, quero te comer, quero te ter, quero ver você dentro de mim quando eu fechar os olhos, você já está lá. Aqui dentro é tão distante da minha mão. Ouço muitos discos diferentes ultimamente pra marcar que eles são teus, só teus, sem misturas e sem épocas, quando eu ouvir o Qualquer Coisa de novo eu nunca quero lembrar que passo as manhãs pulando de ônibus em ônibus, preenchendo formulários, aprendendo a querer aprender coisas que eu nunca nem achei que poderiam querer ser aprendidas por alguém, eu não quero lembrar que conheço a cada seis meses trios e duplas e legiões de pessoas com todo o potencial de serem bem mais interessantes que você e que eu, eu não quero lembrar que elas me julgam e eu nem sei porque me preocupo com isso, e se devo me preocupar. Eu só quero lembrar que estou com você todo dia o tempo todo a todo momento em todo clichê de amor eu tenho você. Eu quero te comer, quero te ver e te contar do meu dia, quero te ouvir e discordar e que isso não faça a mínima diferença, quero fazer amor e sexo, quero te matar pra te chorar depois, sentir a temperatura morena do teu sangue, eu quero morrer e em três dias voltar pra te dizer quer você pode, quero te dizer isso tudo mas não posso. Eu quero tudo e muito mais, mas não posso, quero essas palavras e outras, quero esses prazeres e todos, quero inclusive esses horrores e mais. E todo dia eu te digo tudo isso quando eu aperto tua perna, grito cada palavra disso subindo entre as multidões de carros da avenida treze de maio às sete horas quando deitado ao teu lado eu sorrio "eu te amo"

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

E a vida foi-se embora.

muito bem, somos gatos, somos, na verdade mais verdadeira, aquela que nem todo mundo consegue repetir, o que quisermos ser, gatos.

onde é que vai parar essa vida, meu deus? Com esses óculos escuros de madrugada. será que é vista cansada ou será que chorou de amor por sua vaquinha que voou e dessa vez não volta mais?

meia volta, volta e meia. tudo volta atrás. A vida passa e ultrapassa com o coração na mão, na garganta uma canção e um pedido e esmola. eu vou indo-me embora. muito embora ainda queira ficar, queira pedir, queira me acabar. queira.

a você que não entende absolutamente nada.
compartilhe do meu mal até o outro dia.
mas se entendeu.
não discuto mais.